Um estudo resumido sobre acidentes envolvendo motociclistas

12/03/2012 23:18

 

          Este texto tem por objetivo apresentar um apanhado resumido sobre os acidentes de trânsito envolvendo motociclistas, em face do fenômeno que foi a evolução dessa frota em todo o Brasil nos últimos anos. Evolução essa que não encontrou ressonância no planejamento de transporte e continua a não encontrar, como se este fosse um veículo invisível, demonstrado pelo número vertiginoso de acidentes, quase sempre fatais. A isso se têm dado o nome de “epidemia silenciosa”. Vários fatores dão sua contribuição para a disseminação do uso de motocicletas em todo o mundo. Seu baixo custo de aquisição frente ao automóvel a torna acessível a pessoas de baixa renda  (Hsu  et al., 2003; Musso et al., 2009).

 

No Brasil, uma motocicleta popular zero de 125 cc, pode ser adquirida pelo equivalente a US$3 mil e financiada em até 60 meses..

 Outro fator competitivo importante reside nas características geométricas que incluem o seu tamanho  (Hsu  et al., 2003; Musso et al., 2009). Enquanto um automóvel popular mede 3,8 x 1,77 x 1,35m uma motocicleta, também popular  mede 2,00 x 0,75 x 1,05m. A área de volume ocupada pela motocicleta  são  aproximadamente  78%  e  83%  menores  que  a  do automóvel,  resultando  uma maior  liberdade  de manobra, maior  desempenho no  sistema viário e mais flexibilidade para estacionar em lugares reduzidos. A economia de combustível, também é fator decisivo quando  comparada  a  outros  tipos  de  veículos (Hsu et al., 2003; Musso et al., 2009). O consumo médio de uma motocicleta é de 0,04 litros de combustível/ quilômetro percorrido, o que representa uma economia de mais de 3 vezes quando comparada com o automóvel (ANTP, 2007)

Cresce  o  interesse  de considerável parcela  da  população  mundial  pela  utilização  das motocicletas,  seja  como  meio  de  transporte  ou  na  geração  de  renda. No caso brasileiro, 3Ž4  dos usuários que  compram motocicletas declaram usá-las  como meio  de  transporte. 

O  crescente  afastamento  entre  a  qualidade  ofertada  pelo  transporte  público  e  o  transporte individual privado  incentiva o uso de automóveis e motocicletas  (WBCSD, 2009). Em uma grande  cidade  brasileira,  a exemplo de São Paulo, uma  viagem  de  7  km  pode  levar mais  que  o  dobro  do  tempo  no transporte público (35 min.) em vez do automóvel ou motocicleta (15 min.) (ANTP, 2005). 

No Brasil, a distância média de viagem é de 7,9 km (ANTP, 2007), enquanto que em Taiwan é de cerca de 10km (Musso et al., 2009). Isso porque as motocicletas são proibidas de trafegar nas auto-estradas e rodovias da ilha, o que não ocorre no Brasil, na Malásia e no Vietnã (Musso  et  al.,  2009).  É o caso do Brasil que não impõem restrições ao  uso  em  auto-estradas  e  vias  rápidas.  Somente  os ciclomotores são proibidos de circularem nas vias de trânsito rápido (CTB, 2009). 

 

             A morte de motociclistas não é um fato exclusivo em nosso País , a média/ano de acidentes no trânsito no mundo inteiro, levando-se em consideração os estudos de 2006 de Who, (2006 e 2007ª) onde os autores citam que 1,2 milhões de pessoas se envolvem em acidentes de trânsito, salvo os feridos, porque estes somados podem chegar até a 50 milhões.

 Em  países  asiáticos  onde são  registrados  os  maiores  índices  de  motocicletas  do  mundo (Suriyawongpaisal e Kanchanasut, 2003; Sohadi et al., 2005; Musso et al., 2009) o Vietnã, entre os anos de 2000 e 2001 ocorreu um salto surpreendente de 37% no número de mortes  em  acidentes  de  trânsito,  sendo  68%  com motociclistas. Em Hanói,  as motocicletas representaram 73% de todos os acidentes (Musso et al., 2009). Em Taiwan, o aumento no uso das motocicletas  está  diretamente  relacionado  ao  aumento  de mortos  e  feridos  com motos.

Somente na capital, em 2005, eram 720 mil os automóveis e 1,2 milhões as motocicletas (Hsu et  al.,  2003). Na Tailândia,  de  75  a  80%  das mortes  decorrentes  de  ferimentos  no  trânsito ocorre com os usuários de motocicletas (Suriyawongpaisal e Kanchanasut, 2003). 

 Na Índia, motociclistas respondem por 27% das mortes nas estradas (Ponnaluri et al., 2009).

Na  China,  onde  a  propriedade  de motocicletas  entre  1987  e  2001  cresceu  rapidamente,  a proporção de motociclistas mortos no  trânsito passou de 7,5% para 19%  (WHO, 2006). Na Malásia as motos respondem por mais de 60% das lesões sofridas e quase a mesma proporção dos  acidentes  mortais  (Sohadi  et  al.,  2005), mas  faixas  exclusivas  e  reservadas  para motocicletas entre o Aeroporto  Internacional de Subang  e duas cidades  reduziram 39% os acidentes com motocicletas (Umar et al., 1995). 

 Na Itália, a motocicleta é a principal causa de morte dos jovens (Servadei et al., 2003; Bianco et al., 2005; Torre et al., 2007)..

Na Colômbia, em 2005 os motociclistas representam 27% das mortes  no  trânsito  (Espitia-Hardeman  et  al.,  2008). 

No Brasil as estatísticas são alarmantes, em nosso País ,  cresce  a  participação  dos motociclistas  nos  acidentes  de  trânsito.  Em  2004,  foram  registrados  12.095  acidentes envolvendo motocicletas, dos quais 838 com  fatalidade. Desses acidentes, 10,8% ocorreram nas rodovias federais (IPEA/DENATRAN, 2006).  ~

Segundo a SMS. (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) em levantamento do HC da USP (Hospital de Clinicas de Universidade de São Paulo) metade das vítimas de acidentes de trânsito que dão entrada no pronto-socorro do hospital são motoqueiros·.. (SMS 2009)

Nos últimos três meses, a contar da data da divulgação do relatório (02 ago 2009) só a emergência do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do hospital atendeu 300 vítimas de acidentes, das quais 148 dirigiam moto ou estavam na garupa no momento do acidente.

O levantamento também mostra que 81% das vítimas de acidentes de moto são homens e apenas 19% são mulheres.

A recuperação de motoqueiros segundo relatos do HC custa por ano cerca de R$ 100 milhões à instituição. Cada paciente custa em torno de R$ 300 mil ao hospital nos primeiros seis meses de internação. Os gastos cobrem cirurgias, despesas com UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), ocupação de enfermaria, medicamentos e outros procedimentos médicos (SMS 2009).

De acordo com as projeções da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego) 30% das mortes em acidentes de trânsito no Brasil envolvem condutores ou garupas de motos (SMS 2009).

O HCUSP informou ainda que  (não está no estudo e sim em nota) que os motociclistas são o único grupo que cresce nas estatísticas sobre atendimento a vítimas de acidentes. Entre os motoristas e passageiros de outros tipos de veículos, ciclistas e pedestres, houve diminuição ou estabilização dos números, talvez por conta da Lei Seca, ainda noviça em 2009.

Quanto aos custos dos acidentes, um acidente de motocicleta custa em média 2,4 vezes mais do que um acidente de automóvel, segundo dados do IPEA e ANTP de 2003. Esta proporção, segundo relatório Custos da Mobilidade 04/09 da ANTP foi estimado pelo Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da ANTP para os acidentes com autos e motos em 2007 (R$ 5,7 bilhões) e ponderada pelas frotas (respectivamente 18,6 e 5,1 milhões) e pelo total de viagens estimado para cada um dos dois modos em 2007 (respectivamente 15,0 bilhões e 1,4 bilhão) (ANTP 2009c). O custo estimado dos acidentes, segundo a Instituição, com os ônibus (R$ 1,1 bilhão) foi dividido pelo número de viagens realizadas neste modo em 2007 (14,4 bilhões). Os valores foram atualizados para Janeiro de 2009 pelo IPCA (ANTP 2009c)

 

OS CUSTOS DOS ACIDENTES ENVOLVENDO MOTOCICLISTAS CONSIDERADOS NA METODOLOGIA DO IPEA

A pesquisa considera os seguintes custos provocados pelos acidentes de trânsito:

1) Custo da Perda de Produção

Abrange as perdas econômicas que as vítimas sofrem pela interrupção temporária ou permanente de suas atividades produtivas, em consequência do seu envolvimento em acidentes de trânsito. Este índice aplica-se tanto a pessoas inseridas no mercado e trabalho formal, quanto do informal. No caso do trabalhador assalariado, ou seja, formal e com carteira de trabalho assinada, a perda equivale ao custo necessário para sua substituição durante o tempo não trabalhado (IPEA 2003).

 

2) Custo dos Danos aos Veículos e custos de congestionamentos 

Envolve o custo de recuperação ou reposição dos veículos danificados em acidentes de trânsito.

Soma dos custos relativos ao tempo perdido pelos ocupantes de veículos retidos no tráfego e ao aumento do custo de operação destes veículos, em função de congestionamentos gerados por acidente de trânsito (IPEA 2003).

 

           3)  Custo médico-hospitalar e custos de processos judiciais 

É a soma dos custos dos recursos humanos e materiais do atendimento e tratamento das vítimas de acidentes de  trânsito, desde a entrada no hospital até o momento da alta ou do óbito. Inclui também os custos dos programas de reabilitação, como fisioterapia, por exemplo (IPEA 2003)o.

Custo do funcionamento da estrutura judicial em função de acidentes de trânsito. (IPEA 2003)

 

4) Custo Previdenciário

Engloba todos os custos que recaem sobre a Previdência Social por força da impossibilidade que a vítima de acidente de trânsito tem para desenvolver suas funções, isto é, o tempo em que elas ficam afastadas do trabalho e até mesmo quando esse afastamento é permanente.  Esses custos incluem despesas com pensões e benefícios.

  

5) Custo do resgate de vítimas e custos de remoção de veículos

O custo com resgate de vítimas inclui: (a) o transporte das vítimas de acidentes de trânsito do local do acidente até o hospital ou pronto-socorro; (b)  o custo da utilização de equipamentos especiais; (c) o deslocamento das equipes de resgate, com veículos e profissionais especializados (ambulâncias, médicos, paramédicos) (IPEA 2003).

O custo com utilização de guinchos ou outros meios utilizados para remoção dos veículos avariados do local do acidente até uma oficina, pátio ou delegacia. Inclui o aluguel do veículo e o tempo de serviço do técnico responsável (IPEA 2003).

 

            6) Custo dos danos ao mobiliário urbano e à propriedade de terceiros  

Custo de reposição e/ou recuperação de equipamentos urbanos e de propriedades de terceiros danificados ou destruídos em decorrência de acidentes de trânsito. O mobiliário urbano (bens públicos urbanos) compreende  abrigos de ônibus, postes, orelhões, bancas de revistas, caixas de correio e gradis (IPEA 2003). 

 

            7) Custo de outro Meio de Transporte  e danos à sinalização de trânsito

O custo de outro meio de transporte é a somatória das despesas do acidentado com passagens de ônibus, táxi e aluguel de veículo  que ocorre pela necessidade de locomoção no período posterior ao acidente, nos casos em que o mesmo fique sem condições de rodagem.

Quanto à reposição e/ou recuperação da sinalização danificada no acidente, ou até mesmo destruída totalmente, em função de acidentes de trânsito, consiste em elementos como postes de sustentação de sinalização, placas de sinalização, equipamento semafórico (IPEA 2003). 

 

              8) Custo do atendimento policial e dos agentes de trânsito 

É a somatória dos custos do tempo dos policiais e/ou agentes de trânsito e da utilização de veículos para atendimento no local do acidente, hospital ou delegacia (IPEA 2003).

 

              9) Impacto Familiar 

Custo que representa o impacto do acidente na família da vítima é representado, principalmente, pelo tempo gasto por  familiares, pelo eventual lucro cessante e por adaptações na estrutura familiar (moradia, transporte) por conta do acidente. (IPEA 2003).

 CUSTOS COM ACIDENTES DE TRÂNSITO EM 2001

A pesquisa finalizada em 2001, infelizmente a quase uma década atrás, apresentou os seguintes resultados:

Os acidentes de trânsito, no ano de 2001, geraram custos da ordem de 3,6 bilhões de reais, baseados em abril

 

 

 

Custo médio por acidente de trânsito

De acordo com a pesquisa em tela, um acidente de trânsito tem um custo médio de 8.782 mil reais, considerando-se todos os tipos de acidentes. Caso sejam considerados apenas os acidentes com vítimas, o valor médio de um acidente eleva-se para 35.136 mil reais.

 

 

LOCAIS DO CORPO ONDE MAIS SÃO ACOMETIDOS PELAS LESÕES ORIUNDAS DE ACIDENTES COM MOTOCICLISTAS

A vulnerabilidade do usuário da motocicleta é Evidente, embora haja vários equipamentos de proteção, como roupas, botas, capacetes. No entanto, numa colisão, que é um dos tipos de acidentes de motocicleta mais freqüente, o motociclista absorve em sua superfície corpórea toda a força gerada no impacto com outro veículo indo de encontro com a via pública ou com outros veículos.

Como conseqüência, há ocorrência de vítimas politraumatizadas com lesões gravíssimas, localizando-se na cabeça e as extremidades como as regiões mais freqüentemente atingidas.

A proporção de mortos em relação ao total de vítimas devido ao acidente de moto foi de 3,7%. A seriedade da gravidade das lesões neste grupo ficou evidenciada dado que cerca de 2/3 de todas as vítimas fatais entraram em óbito no período de 24 h pós-acidente. Contudo, uma das questões que nenhum ou quase nenhum estudo revela é o padrão das lesões nos sobreviventes de acidentes envolvendo motocicletas.

No estudo de Koizumi (1989) , as lesões associadas mais assíduas foram fraturas de ossos pélvicos e de membros inferiores. Para segurança passiva na prevenção de lesões dos membros inferiores, existe equipamento chamado protetores de pernas, acoplado na motocicleta (KOIZUMI 1985).

Verifica-se, pois, que as fraturas de membros estendem-se também aos que faleceram no hospital e que o trauma craniano também é uma constante, tanto nos que receberam altas como nos que morreram.

O traumatismo crânio-encefálico foi a terceira lesão mais freqüente nos que tiveram alta hospitalar e a segunda nos que faleceram, se somadas aos traumatismos crânioencefálicos, as fraturas de crânio.

A face foi a quarta região mais atingida, tanto nos que faleceram no hospital como naqueles que sobreviveram, sendo que a lesão predominante foi a fratura. A seguir, os hematomas e as hemorragias foram as lesões mais freqüentes, particularmente os hematomas palpebrais e as hemorragias nasais e de ouvido (KOIZUMI 1985).

Portanto, este trabalho tem por objetivo principal cobrar mais empenho das autoridades que tem por responsabilidade apresentar estudos mais recentes e mais concisos, promover campanhas de conscientização, educação de transito, cursos e palestras de segurança, cidadania e respeito no transito, de nada adiantando simplesmente mencionar de que os acidentes de trânsito, mais especificamente, com motocicletas se tornaram uma epidemia.

Epidemia não mais silenciosa, já que está levando muitos à invalides total ou parcial e gerando grandes despesas para a saúde pública e muita tristeza para as vítimas e familiares que sobrevivem a esses acidentes.

Dr. Nelson Bruni

Diretor Adjunto Ciência e Tecnologia da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - ADESG/SP

Professor da Academia da Polícia Civil

Especialista em Medicina do Tráfego

Médico Legista

 

—————

Voltar