Parecer define exame médico-pericial como ato médico

Parecer define exame médico-pericial como ato médico

 

O Conselho Federal de Medicina, através do parecer CFM n° 9/2006, de relatoria do conselheiro Roberto Luiz d’Ávila, define exame médico-pericial como ato exclusivo do médico.

O Parecer considera que, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado. O documento obriga, ainda, a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, violar este princípio ético fundamental.

Confira abaixo o texto completo do Parecer 9/2006.

PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 1.829/06 – PARECER CFM Nº 9/06 
INTERESSADO::Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social

ASSUNTO: Orientação acerca da presença, durante o exame médico-pericial, de pessoa(s) que não seja(m) parente(s) direto(s) ou médico(s) do paciente periciado

RELATOR: Cons. Roberto Luiz d’Avila

EMENTA: O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.

RELATÓRIO
I. DOS FATOS
Em 8/3/2006, o presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), dr. E.H.R.A., encaminhou a este Conselho o ofício ANMP/228-2006, protocolado em 15/3/06, solicitando “parecer dessa autarquia com relação a questão relevante para toda a categoria, em âmbito nacional”, e tecendo profundas considerações a respeito da inadequada presença de pessoas estranhas ao exame médico-pericial, tais como parentes, advogados, representantes sindicais, etc. Inicialmente, relata ser diversa a relação médico-paciente assistencial da relação médico perito-paciente periciando, por esta ser, ao contrário da primeira, “baseada na escolha involuntária, na desconfiança mútua, na incerteza da preservação do sigilo e na eventualidade da perda de benefícios”. Contextualiza a perícia médica previdenciária como “uma atividade essencialmente médico-legal que julga se as situações fáticas dos segurados do INSS lhes garantem direitos previdenciários, sendo, por óbvio, conflituosa, porquanto as decisões emanadas envolvem interesses diversos, como imbróglios sindicais, patronais, públicos e trabalhistas e, teleologicamente, a recuperação da saúde”. Explica que “os conflitos são freqüentes e os médicos peritos acabam sendo expostos à violência e ameaças. São dezenas de queixas nas delegacias da Polícia Federal por médicos peritos”. Cita exemplos de lesões corporais graves e até de desaparecimento do perito, com depredação do patrimônio público, bem como que “são freqüentes as queixas dos examinados que, em geral, alegam: não terem sido examinados; serem alvos de racismo e assédio; desrespeito ao Código do Idoso, dentre outras acusações de difícil contestação”. Argumenta que “é certo que a presença do acompanhante, por um lado, conforta o doente inseguro e fragilizado, bem como representa fonte importante de informação adicional. Porém, por outro lado, também acaba trazendo a presença coercitiva de advogados, procuradores e sindicalistas que interferem no bom andamento do trabalho do perito”. Finaliza dizendo ser “necessário que os médicos peritos tenham a prerrogativa de desautorizar a presença de pessoas que não sejam parentes diretos ou médicos do examinado e que possam representar risco adicional à integridade física do médico e influência danosa ao bom exercício profissional, de modo a possibilitar o exercício íntegro do serviço público que se presta, em fiel obediência à supremacia do interesse público sobre o privado”.

No dia 17/3/06, o dr. E. encaminhou mensagem eletrônica, protocolada em 20/3/06, informando já existir consulta sobre o mesmo tema, sob o nº 1.882/06, do dr. E.M.S., com resposta já encaminhada ao solicitante, elaborada pelo conselheiro Gerson Zafalon Martins.

Efetivamente, em 24/2/06 e protocolada em 16/3/06, o dr. E.P.M.S. encaminhou mensagem eletrônica argumentando ter como postura não permitir a presença de acompanhantes em exames médico-periciais “salvo se o examinado for menor ou idoso”, justificando que “como se trata de perícia médica, não de consulta para tratamento, encontramos uma série de situações diversas do médico de atendimento”, e as cita. O teor da consulta é, em tudo, semelhante à apresentada pelo presidente da ANMP. A seu término, apresenta questionamentos tais como: “1) É antiético não permitir acompanhantes em sala de exames? Por quê?; 2) Li certa vez um parecer em que o delegado dizia ser antiético não se permitir acompanhantes em exame radiológico, mas e a radiação que o acompanhante toma, não é levada em conta? Mesmo com proteção, pelo acompanhante não ter conhecimentos ele fica exposto e a lei proíbe se ter em sala pessoal não-técnico além do paciente; 3) Na Justiça, temos na sala apenas os envolvidos e seus advogados, acho que no exame médico-pericial deveríamos ter apenas o segurado e seu médico, um leigo em nada ajuda; pelo contrário, só atrapalha na avaliação. É lógico que sempre que temos um segurado que informa mal, em decorrência da doença, recorremos ao acompanhante, mas como via de regra acho que na sala de exame só o perito e periciado; 4) Na hora do exame físico, ao pedirmos ao paciente para se despir, como fica o acompanhante?; 5) E o advogado com procuração na sala de exame? Deve ser permitido?”.

O conselheiro Gerson Zafalon Martins respondeu a consulta em 17/3/06, por meio de correio eletrônico, com o seguinte teor: “(...) informamos a V. Sa. que, quando da perícia judicial, as partes envolvidas têm o direito de indicar assistente técnico, os quais também responderão aos quesitos formulados e, assim sendo, podem acompanhar o exame a ser realizado no periciando pelo expert indicado pelo juiz, não podendo, todavia, interferirem na realização do ato. Portanto, por óbvio, familiares, sindicalistas e advogados das partes não podem acompanhar a perícia, ainda que não tenham indicado perito assistente técnico. É correto que os peritos médicos do INSS apenas permitam a presença de médico assistente. No caso, o assistente técnico, quando este se propuser a comparecer ao exame. Os procuradores de empresas que intermediam benefícios são proibidos de acompanhar o periciado, pois podem, inclusive, tentar influenciar, direta ou indiretamente, a conduta pericial. Da mesma forma, deve-se impedir a entrada de acompanhante parente, salvo em casos de menores ou incapacitados. No mesmo sentido, deve ser vedado o acompanhamento de médico estranho à perícia, desde que não seja assistente técnico. Ressalta-se haver infração ética na interferência na conduta médica por outro profissional, parente ou não. Deve-se impedir a entrada de advogados, uma vez que são estranhos à conduta médica”.

Estes são os fatos.

II. DISCUSSÃO

O médico perito deve obedecer algumas regras básicas, visando evitar a argüição de nulidade pericial ou de questionamentos quanto à exatidão do seu laudo. O exame deve ser realizado reservadamente, com privacidade, em ambiente adequado, somente em consultório, sendo permitida a presença, além do segurado a ser examinado e dos peritos, do representante legal, quando menor ou incapaz, ou de quem o médico perito decidir, parente ou outrem, dependendo do caso, buscando seu esclarecimento.

Qualquer que seja a subordinação hierárquica a que estiver submetido o médico perito, esta será somente administrativa. Nenhuma norma administrativa pode submeter o perito em detrimento do seu Código de Ética Médica. Sua autonomia está garantida técnica, legal e eticamente, tendo a liberdade para conduzir o ato pericial, única forma de responder com plenitude por infrações no exercício de sua função.

O Código de Ética Médica estabelece, em dois artigos, a seguir relacionados, a fundamentação da autonomia do médico – em especial o segundo, quanto à atividade do médico perito:

“Art. 8°. O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.

É vedado ao médico:

Art. 118. Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou auditor, assim como ultrapassar os limites das suas atribuições e competência”.

De plano, a intimidade do ser humano deve ser sempre respeitada. O pudor também. Se a presença de outras pessoas, aqui incluídos os procuradores, sindicalistas, representantes patronais, puder, de qualquer forma, constranger a pessoa a ser submetida a exame, é dever inalienável do médico perito exigir a privacidade do ato.

Além disso, tal como relatado pelo presidente da ANMP, dr. E.H., há um risco inerente à integridade física dos médicos peritos quando da presença de pessoas estranhas, como já ocorreu tantas vezes.

III. CONCLUSÃO

Diante do exposto, salvo melhor juízo, consideramos que:

1. As atribuições do médico perito não podem ser confundidas com as de qualquer agente da autoridade policial ou judiciária, que pode determinar a seu agente que proceda diligência determinando exatamente como agir. Devido às particularidades contidas em qualquer exame médico, nenhuma norma administrativa pode determinar ao médico perito como se conduzir durante a perícia ou determinar quem deve estar presente ao exame pericial. O médico perito deve obedecer às regras técnicas indicadas para o caso, lendo o laudo encaminhado pelo médico assistente, confrontando-o com o exame físico e determinando a capacidade laborativa do segurado, no pleno exercício de sua autonomia e sempre compromissado com a verdade;

2. O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental.

Este é o parecer, SMJ.

Brasília-DF, 12 de maio de 2006

ROBERTO LUIZ D’AVILA
Conselheiro Relator